domingo, 7 de abril de 2013

Francisco Karam e o "dever ser" profissional do jornalista

Quando Tobias Peucer defendeu a primeira tese doutoral sobre Jornalismo de que se tem notícia, a Europa estava mergulhada numa revolução cultural. Leipzig tinha uma das quatro maiores universidades da Alemanha e protagonizava estudos cujos métodos sedimentariam a concepção de Ciência na modernidade. Passados cerca de 300 anos, Francisco José Karam segue os rastros deixados por Peucer. Não só os metodológicos; como pesquisador, dedica-se às especificidades do Jornalismo no campo teórico, sobretudo o da Ética. E esse foi o tema central da conversa com estudantes e professores na Universidade do Sul de Santa Catarina.

ESPAÇO HIPERMÍDIA e o desfile barulhento no intervalo de aula
O Espaço Hipermídia, lugar em que Karam generosamente abriu-se ao debate sobre suas ideias, não tem características de auditório. Fora provisoriamente estruturado como em tantas outras oportunidades para permitir uma certa informalidade, para aproximar os estudantes do convidado. O espaço nasceu para promover intervenções no ambiente excessivamente higienizado que se reproduz nas modernas instituições educacionais. Mas naquela quarta-feira, 20, quis o outono chegar despejando uma superdose das águas de março. E o Espaço Hipermídia, único acesso coberto entre os prédios acadêmicos e os restaurantes do campus Pedra Branca, teve que se render à intervenção institucional; virou passagem obrigatória no intervalo das aulas.

Voz serena, microfone singelamente posicionado na altura do peito, Karam segurou como pôde a concorrência desleal com o desfile barulhento que ocupou mais de um terço de sua fala.

--- Já tive experiência semelhante. Faltou luz num evento em que fui também palestrante. Nossa dúvida era saber se haveria alguém na plateia quando a luz voltasse.

Professor de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, Francisco Karam tem na trajetória acadêmica os principais referenciais de currículo. Graduado na área, fez mestrado em Ciências da Comunicação e doutorado em Comunicação e Semiótica, sempre com a preocupação de trazer para o debate o "dever ser" da profissão de jornalista. Entre a ética, "interrogativa e de caráter mais abrangente", e a deontologia, os códigos de conduta profissional, Karam especializou-se nas "normativas da prática" que regem o exercício e a formação em Jornalismo.

--- Temos suficientes bases técnicas, éticas, estéticas e epistemológicas para o exercício profissional em diferentes plataformas com padrões consolidados e por vir. Isso caracteriza a formação.

KARAM: repórter é a figura que caracteriza a profissão
Até onde o Jornalismo pode ir? Retóricas à parte, Karam desenhou um cenário sobre o qual as respostas podem ser estruturadas sob o ponto de vista do debate acadêmico. No eixo de afirmação do Jornalismo como atividade vital para uma esfera pública mais democrática, argumenta, está o repórter. A função nascida para qualificar registros de guerra carrega em si, na atualidade, os critérios de verificação necessários ao interesse público. A relevância social de determinados acontecimentos justifica, inclusive, a publicação de histórias cuja narrativa se construa sem as evidências da apuração.

--- O repórter é, me parece, a figura central da profissão. Nele reside o discernimento que dá legitimidade social para investigar por conta própria e com todos os recursos disponíveis as questões de maior relevância social e que tenham interesse público.

Karam referia-se também ao uso de câmeras escondidas para produzir materiais "investigativos" nos programas jornalísticos televisivos, mas traçava argumentos mais gerais para localizar as questões de maior impacto nos debates sobre Ética e Jornalismo. Os diferentes códigos tendem a representar o tipo de relacionamento entre o Jornalismo e as outras esferas da vida social.

--- As perseguições a repórteres aumentam em regiões com maior desequilíbrio social. É uma categoria bastante visada.

Com base em direitos e deveres fundamentados nas tensões entre o exercício profissional e suas fontes de financiamento, no conflito de interesses entre a esfera pública e a vida privada, o debate sobre os códigos deontológicos tem amadurecido. No Brasil, por exemplo, as punições a jornalistas sustentam-se no código penal "ainda da década de 40", cujos processos, em sua maioria, são por injúria, calúnia e difamação. Está em matérias bem apuradas, documentadas, embasadas juridicamente a resposta mais adequada do Jornalismo a esses obstáculos que carecem de revisão legislativa.

--- Costumam dizer que no Brasil há censura judicial. Mas não dá pra dizer isso. Há jornalistas que apuram muito mal as informações que divulgam.

Na "periodistika" do século XVII descrita em tese por Tobias Peucer, o Jornalismo abriu espaço como campo de conhecimento valorizado pela Ciência moderna, para além da prática discursiva sobre o cotidiano. Nos três séculos seguintes, o "olho público da nação" ganhou legitimidade também como estrutura de negócio. Francisco Karam considera que, potencialmente, o Jornalismo tem como superar os interesses privados que se sobrepõem à esfera pública contemporânea. Desde que os valores profissionais, sempre sob análise, não vivam submetidos a contextos externos ao campo de suas especificidades. No dia do jornalista, a reflexão merece espaço na concepção mesma de seu lugar na sociedade midiatizada.


Ouça a íntegra da palestra de Francisco Karam