quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Acontecimento, abstração e produção jornalística

Segundo Jorge Pedro de Souza, o ritmo de trabalho no Jornalismo prioriza os "acontecimentos" em relação às temáticas de fundo e aos processos sociais invisíveis. E, a partir dessa ideia, sustenta diferentes contextos para caracterizar a notoriedade dos "acontecimentos" valorizados pelos jornalistas. Diz o pesquisador português que os "referentes do discurso jornalístico" centram-se "em torno das ocorrências atuais", genericamente tratadas como "acontecimentos". Ele adverte que não há concretude nem delimitações nestas ocorrências, porque há um contínuo que interliga os fenômenos da vida social. Mas também sugere que o trabalho jornalístico é similar ao científico, na medida em que precisa recorrer a esses fenômenos para interpretar o "real".

O pesquisador aponta subclassificações que procuram diferenciar a natureza dos "acontecimentos" valorizados pelo Jornalismo e cuja unidade discursiva é a notícia: 1) os acontecimentos imprevistos são classificados como "verdadeiros" pelo inusitado de suas implicações; 2) os pseudo-acontecimentos  são os previsíveis, os "fabricados" para virar discurso jornalístico; 3) os acontecimentos midiáticos são também programados para virar notícia, mas ocorrem independente da presença da mídia; 4) há também os acontecimentos não categorizados, os que escapam à classificação proposta por serem "contaminados" pelas diferentes variáveis expostas nos três primeiros tipos; 5) e, por último, há os não acontecimentos, relatos constituídos por "fatos não ocorridos".

Na tentativa de teorizar o Jornalismo e a Notícia, Jorge Pedro de Souza baseia sua perspectiva numa proposta que procura levar em conta o exercício profissional, suas relações de produção e não só os efeitos do Jornalismo enquanto discurso social. Mas adota como "referente" as tradicionais variáveis que delimitam o campo de atuação ao modelo de negócios inscrito nas mídias de massa. O mundo do trabalho contemporâneo já admite outros modelos de produção cuja relação inclui variáveis mais diversificadas. Assim como o pensamento científico já admite outras concepções de conhecimento.

José Eugênio de Menezes usa as ideias de Vilém Flusser para tratar de uma escalada da abstração diante do desenvolvimento das ferramentas e dos aparatos de comunicação. O "real", nesta concepção, tem no contato direto com os objetos e os outros sujeitos, e no contato mediado com suas representações as possibilidades humanas de construir referências sobre o mundo. Sendo assim, os "órgãos do sentido" são tão importantes quanto os diferentes "textos" que constituem o repertório dos processos culturais. Menezes busca argumentos para caracterizar uma cultura do ouvir, uma forma complexa de abstração, ofuscada pelas ferramentas de comunicação modernas.

O filósofo tcheco Vilém Flusser mapeia a escalada da abstração em diferentes dimensões, as quais nos ajudam a pensar no contexto da construção do conhecimento, seja o social "traduzido" pelo Jornalismo, seja o científico, que "traduz" o Jornalismo em saberes sistematizados. Para Flusser, nossos experimentos assumem diferentes dimensões, dependendo de como a comunicação se estabelece: com o corpo, tridimensional; com as imagens, bidimensional; com o traço e a linha da escrita, monodimensional; e com os números e os algoritmos das imagens técnicas, nulodimensional. A cultura do ouvir se inscreve no trânsito entre estas diferentes formas de abstração e pode, na concepção de José Eugênio de Menezes, instigar posturas diferentes diante da compreensão dos vínculos sociais e das práticas no Jornalismo. 

No seu trabalho, são raríssimos os momentos em que jornalistas participam diretamente dos "acontecimentos imprevistos", considerados "verdadeiros" nas teorias de Jorge Pedro de Souza. Ou seja, são raríssimos os momentos em que os "órgãos do sentido" podem aguçar as perspectivas de abstração quanto aos fenômenos que dão notoriedade às "ocorrências atuais" sobre as quais o Jornalismo, teoricamente, se constitui. Pode-se afirmar que, neste sentido, há a necessidade de os jornalistas desenvolverem modos de abrir espaços para experimentos que envolvam a complexidade das dimensões de abstração na sua "função" de contar histórias ou produzir conhecimento social.

Gay Talese, importante jornalista americano, fala de suas experiências como repórter.
Diante dos entrevistados, há a preocupação de fazê-los pensar na melhor resposta
possível em relação ao contexto do diálogo; uma preocupação que abre espaço para
a reiteração de questões consideradas essenciais pelo jornalista. Os personagens
anônimos de sua obra ganham força justamente por protagonizarem o sentido de suas
falas e terem tempo de ser ouvidos. Talese também mantém velhos hábitos, que
aguçam outros sentidos na relação com suas fontes.

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